I
Pensava se não seria melhor a surpresa, que tudo tivesse acabado sem o aviso dos médicos, sem a reação nauseante dos remédios, sem a troca de olhares que é sempre a última. O último almoço, a última risada, o abraço final. O que mais angustia não é quando o fim chega: é quando ele persegue.
Perseguição finda, ela conheceu a propagação da angústia. Porque angústia é visgo, pleural e expansivo. A inquietação paradoxal daquilo que cala. E se espalha melhor justamente no silêncio do ausente, propagando-se em todo espaço que se ocuparia dele, até que passa a outros vãos, mesmo que não ocupados daquela ausência, e se instala, inquilino maldito de eterna presença.
[Esqueceram-se apenas de deixar clara a incapacidade de todos nós de lidar com a falta de interstícios. Expansivos que somos, largamos como garras os ramos de nossas projeções, queremos todos os espaços, somos projetados para completar lacunas. Na falta delas, não há espaço também para permanecer. É permitido apenas o pesar com contagem regressiva, sob a pena do abandono mesmo dos viventes.
O enlutado que lute contra a angústia do que falta para não perder aqueles que ainda não se foram.]
Ela acabaria aprendendo a física da saudade mais tarde – e tarde demais -, quando já não havia lacunas; quando os espaçosos já haviam saneado as vidas rasas antes enlameadas pelo pesar alheio.
II
Alguns sabiam e até já enxugaram lágrimas que ela havia chorado por causa dele. Uma sombra nuns olhos novos, pouco profundos na escuridão que os preenchiam. A escuridão, em si, é mais longa do que se pode imaginar, mas ninguém era atrevido o suficiente para ficar por dois segundos a mais nela por medo de se perder.
Estão certos.
Outros ignoravam o motivo do drama, nem sempre por opção. Havia impedimentos diversos para que ela carregasse a bandeira do que faltava. Todos os argumentos eram contrários à persistência do ausente. Obsessão, diriam com olhos recriminatórios. O que não estava ali, entretanto, não era exatamente uma falta. Era mais um peso, e ocupava um território para sempre alienado dela. O que faltava era o maior impedimento para que o lugar fosse retomado. A saudade havia se instaurado ali, parasitando memórias e medos, calando qualquer possibilidade de socorro, e sendo calada.
Quando não se pode chorar a saudade que se instala, ela amordaça e cala mais do que a falta. A saudade provinda da obsessão, na verdade, nunca deve ser dita em voz alta; é proibido sentir saudade do que os ingênuos insistem em coibir. O que eles ignoram – e ela decorou cedo – é que a saudade obsessiva alimenta-se de si mesma, e se reproduz na marra toda vez que é calada.
[A saudade é coisa pequena que mata gente grande, leu por aí.]
III
A terceira história foi censurada pelo princípio fundamental da física da saudade: é proibido, sobretudo, sentir saudade do que não se teve.