Histórias de sala de aula

Minha mãe foi alfabetizadora durante muitos anos. Das milhões de ótimas histórias que ela me contou, tenho apreço especial por algumas delas.

I

Já na altura de retirar palavras do quadro-negro e transformá-las em voz orgulhosa por juntar sílabas, um aluno deu exemplo de associação de ideias com um senso de oportunidade único.

Escrito em giz, “carne”. A pedido da professora, leu em voz alta o rebelde com lógica: “Churrasco!”.

II

De mesmo tipo, uma menininha que era terrível, muito doentinha, que até reprovou na primeira série por não ter condições de ser alfabetizada, mostrou também que causa e consequência vêm no pacote do pensar pequenininho.

No céu do quadro, a palavra “raio”. No céu da boca e nos ouvidos desprevenidos: “Relâmpigo!”.

III

Aluno aplicado, copiara tudo que estava no quadro para o caderninho pautado. Quando chegou a professora para conferir a cópia, uma surpresa. Tudo estava escrito certinho, mas não havia uma só palavra em cima da linha.

Quando perguntado sobre a razão de ter escrito fora da linha, mais que rapidamente o sabido aluno terceirizou a culpa:

“Não fui eu, professora, foi a linha que saiu do lugar!”.

Blueberry, um beijo e uma música

De Norah Jones, eu não sei quando comecei a gostar, mas já faz bastante tempo que a voz doce e quase despretensiosa me capturou. De blueberry, a frutinha tímida a que chamamos de mirtilo no Brasil, foi lá por 2006, quando a palavra passou a ter sentido de doce, tristeza e desejo. Com a maioria das coisas, eu lido assim: primeiro, nasce o sentido no fundo do pensamento; depois, passa a ser desejo de sempre, cristalizado no não saber mais se algum dia não esteve ali.

Quando me deparei, então, com o trailer de My Blueberry Nights (2007), muitos sentidos reunidos, passei a desejá-lo como à torta que Elizabeth procura como refúgio à tristeza. A torta que quase ninguém pede no café, mas que é feita porque há sempre a possibilidade de alguém querê-la.

Acabei demorando cinco anos para assistir ao filme, mas na última semana finalmente compartilhei o beijo de Jude Law e Norah Jones, daqueles cuja verdade vai para além da situação do beijo em si, e atestei novamente que a distância é tão mais ardilosa nas vezes em que mais aproxima do que afasta.

Norah Jones não canta, mas a doçura da voz e a sombra tímida de tristeza que carrega no timbre estão também nos olhos dela. Da cantora, as novas vieram de 2012 mesmo, com o álbum “…Little Broken Hearts”, que parece trilha sonora para uma viagem pra dentro alma ou por uma estrada com muito sol e umidade única pelas lágrimas que eventualmente corações molengos vão derrubar. “Travelin’ On” foi eleita a música que fica eternamente no replay quando termina o CD.

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Quem nunca?