Fuleco e como não criar uma palavra

Tem gente que pensa que a língua portuguesa é coisa estática, reduzida às páginas nunca abertas de uma gramática na prateleira da biblioteca a que ninguém vai. Besteira.

Toda vez que você abre a boca para dizer alguma coisa está recriando a língua. E você pode ser muito inventivo: embutir nas palavras novos significados relacionados a um contexto diferente ou até mesmo criar uma palavra, formada ou não por outras já existentes. Nós chamamos isso de neologismo, mas você nem precisa chamá-lo de nada para que ele exista.

Guimarães Rosa, um grande inventor de palavra, talvez ficasse atônito com o neologismo utilizado para nomear o mascote da Copa do Mundo no Brasil. Os brasileiros podiam escolher entre três nomes para o simpático tatu-bola que representará o País: Zuzeco, combinação entre “azul” e “ecologia”; Amijubi, vindo de “amizade” e “júbilo”; e Fuleco, o escolhido, cuja formação, eles juram, vem de “futebol” e “ecologia”.

A composição, como qualquer já inventada, não deixa de ser legítima. O problema foi o resultado. Antes de ler a explicação dos criadores dela, por exemplo, eu tive que fazer o mais lógico a um falante da língua: tirar o significado de algo que eu já conhecia. Foi assim que cheguei à análise dos morfemas – a menor unidade linguística com significado, usada justamente para formar palavras – que teria me impedido sequer de sugerir este nome para qualquer coisa, ainda mais para algo que representaria uma nação.

As acepções foram retiradas do Houaiss.

Fuleiro

adjetivo e substantivo masculino
1 que ou aquele que age irresponsavelmente, sem seriedade; que ou quem não se mostra confiável
2 que ou o que não tem valor, que ou o que é medíocre, reles
3 que ou o que denota falta de gosto, falta de refinamento, que ou o que é simplório; cafona

-eco
sufixo
diminutivo, por vezes pejorativo, masculino, em palavras como amoreco, jornaleco

Não sei o que vocês acham, mas algo que mistura cafona e um sufixo pejorativo não é exatamente a melhor escolha para representar positivamente alguém.

Qual o problema com Tatu-bola mesmo?

Desgaste

Setembro

Fazia muito calor naquele inverno. E eu lidando com a injustiça de ter minha estação preferida maculada por abafamentos diversos. Quantos dias de frio há no verão? E ainda que houvesse muito ar, porque há um vento turbulento enquanto eu não converso com você, permanecia o sufocamento. Tenho estado amplamente sufocada pelas palavras que não digo, pelo calor de agosto e agora de setembro, por não saber se, neste caso específico, tenho agradado mais que desagradado.

Agora vejo claramente que não me enganei quando li aquelas convicções de forma incerta. Continuo não sabendo o que você diz ou como eu deveria me portar. Sou uma desajustada.

***

Outubro

Enquanto eu parei e observei o céu branco encardido pela poeira que, agora eu tenho certeza, não vai baixar tão facilmente, pensei se terminaria dessa vez de escrever

Voltei e estava há mais de 25 minutos sem ao menos pontuar a frase para fingir que terminava o pensamento. Não seria dessa vez.

***

Novembro

Hoje foi um dia de quase frio. E a independência de meus terminais nervosos gritava dizendo que não era só o calor que cansava, que me calava. Era uma exaustão de dentro para fora que impedia o foco dos olhos, o respirar dos poros, a sobrevida de uma falsa calmaria.

“Está ansiosa?”

Respondi com um sorriso, calei a perna que transbordava a agonia.

Não é ansiedade, é desgaste.