31 de dezembro

Meu quarto está uma bagunça. Há roupas limpas e sujas misturadas, o que indica que colocarei tudo para lavar novamente. Há pilhas de livros sobre a escrivaninha, sobre a cama, embaixo do colchão. Alguns lidos pela metade, a maioria não começada. Calçados revirados me lembram das vezes em que cheguei de madrugada nos últimos dias sem saber muito bem onde deveria deixá-los ou onde havia estado com eles – se eu deveria mesmo ter ido é algo também a se pensar -.

Para não bater com o vento, a porta está apoiada em uma edição especial de “Ulisses” comprada em um sebo há uns quatro anos. A escolha do livro, veja bem, não é preciosismo ou ostentação. É que ele tem funcionado muito bem como peso em todos esses anos. O peso do fim de mais um ano em que não terminei de ler um dos clássicos. Em que deixei de ler várias coisas, assistir a vários filmes, fazer muitas das coisas que eu gostava.

Nada foi mais relegado, entretanto, do que as coisas que eu deixei de dizer. Do que tudo que eu gostaria de escrever. Há palavras acumuladas em todos os cantos, nas pontas dos dedos, escorrendo pelos cabelos caídos no rosto, que tentam em vão esconder as palavras gritando no canto do olho. Tentei, tantas vezes, esconder o que eu precisava dizer, mas os olhos, se você olhasse no fundo dos olhos, talvez conseguisse ler o que eu não tenho coragem de dizer.

Substituí minha lista de coisas a serem feitas no ano que vem por uma lista de coisas a serem ditas. Principalmente, a serem escritas. Quero guardar menos palavras nos cantos das minhas angústias. Depois de um tempo, notei que as palavras não ditas machucam mais do que aquelas que eu digo. E há várias cicatrizes das quais preciso cuidar com mais carinho.

1 thoughts on “31 de dezembro

Seu mimimi aqui.